Senado Sob Pressão para Liberar Gastos de Lula Fora das Regras Fiscais

O salão verde do Congresso Nacional, com seus azulejos frios e ecos de negociações sussurradas, nunca pareceu tão carregado de ironia quanto nesta manhã de outono. Enquanto o Brasil amarga uma dívida pública que beira os 78% do PIB, projetada para saltar a 82% em 2026 segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), o Senado Federal se prepara para votar, ainda nesta quarta-feira (15), o Projeto de Lei Complementar (PLP) 163/2025. A proposta, um verdadeiro “fura-teto” disfarçado de alívio social, permite que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva exclua gastos temporários com saúde e educação do arcabouço fiscal – a âncora que, teoricamente, segura as rédeas dos despêndios públicos. Além disso, retira das regras fiscais despesas financiadas por empréstimos internacionais e suas contrapartidas, abrindo uma porteira para injeções bilionárias sem o peso da meta de déficit zero.

A votação, que pode ocorrer já no início da sessão plenária, chega como um divisor de águas em um mandato marcado por contradições econômicas. De um lado, Lula posa como o guardião da responsabilidade fiscal, com Haddad ecoando discursos sobre “sustentabilidade das contas”. Do outro, o Planalto acumula exceções que somam R$ 337 bilhões em gastos fora das metas até agosto deste ano, conforme levantamento da Gazeta do Povo. É o clássico dilema brasileiro: prometer austeridade enquanto o Congresso, faminto por emendas, barganha por mais espaço para o caixa. “O governo driblou o arcabouço dez vezes. Ou ajusta o Estado à receita, ou aumenta a arrecadação. Escolheram o segundo caminho, mas agora pedem carta branca para mais”, ironizou o senador Rogério Marinho (PL-RN), em audiência recente com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Para contextualizar o embate, é essencial recuar ao nascimento do arcabouço fiscal, aprovado em 2023 como substituto ao teto de gastos de Temer. Idealizado por Haddad, o novo marco permite que as despesas cresçam até 70% da variação real da receita primária, com gatilhos automáticos para cortes em caso de descumprimento – como proibições a concursos públicos ou criação de despesas obrigatórias após dois anos seguidos de rombo. A meta para 2025 é déficit zero, com tolerância de 0,25% do PIB, escalando para superávit de 0,5% em 2026. Mas, na prática, o governo tem usado brechas para inflar os gastos: a PEC da Transição liberou R$ 145 bilhões em 2023 para Bolsa Família e salário mínimo; precatórios, por decisão do STF, somaram R$ 92,3 bilhões excluídos naquele ano e R$ 48,6 bilhões em 2024; e, mais recentemente, pacotes como o socorro a setores afetados pelo “tarifaço” de Trump adicionaram R$ 9,5 bilhões fora da meta. Ao todo, de 2023 a 2025, R$ 324 bilhões evaporaram das contas oficiais, segundo a IFI.

O PLP 163/2025, relatado pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI), surge como uma extensão dessa estratégia. Sob o pretexto de emergências em saúde (como repasses extras para vacinas ou infraestrutura hospitalar) e educação (ampliação de cotas ou bolsas emergenciais), o texto cria uma “exceção temporária” que, na visão de críticos, pode se eternizar. “É o fim da picada. Gastos com empréstimos internacionais – como os do Banco Mundial para projetos verdes – já somam bilhões sem transparência. Isso não é ajuste, é licença para imprimir dinheiro”, alerta Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena. A proposta também beneficia estados e municípios, aliviando contrapartidas em financiamentos globais, mas à custa da credibilidade federal. A IFI estima que, sem freios, a dívida pode explodir para 85% do PIB até 2027, pressionando juros e inflação.

O histórico de Lula com as regras fiscais é um roteiro de altos e baixos. No terceiro mandato, o petista herdou um Brasil com 74% de endividamento e inflação em queda, mas optou por uma agenda expansionista: reajuste real do salário mínimo, recriação do Bolsa Família e investimentos em infraestrutura via PAC. A PEC da Transição, promulgada em dezembro de 2022, foi o pontapé: R$ 145 bilhões extras, incluindo R$ 70 bilhões para o auxílio de R$ 600 e R$ 23 bilhões em investimentos por um ano. “Foi viável só porque o Orçamento de 2023 dependia disso”, admitiu o relator-geral Marcelo Castro na época. Mas veio o contragolpe: em 2023, o arcabouço foi aprovado após meses de barganha, com o Senado alterando o texto para incluir tolerâncias maiores. Lula sancionou, mas vetou trechos que limitavam emendas parlamentares – uma manobra que, ironicamente, explodiu os repasses em 2024.

Mais recente, a PEC 66/2023, aprovada em setembro pelo Senado por 72 a 2, exemplifica o padrão. Apelidada de “PEC do calote” pela oposição, ela parcelou precatórios municipais indefinidamente, retirou os federais da meta fiscal até 2026 e abriu R$ 12 bilhões extras no teto de 2026. “O governo usou o instrumento para inserir jabutis expansionistas, afetando a dívida e os juros”, criticou Marinho. Para estados e municípios, o alívio é bilionário: o estoque de precatórios atrasados pode quadruplicar em uma década, segundo o BTG Pactual, mas com juros reduzidos e prazos elásticos. Lula, que indicou Flávio Dino ao STF para blindar decisões fiscais, vê nisso uma vitória municipalista – afinal, prefeitos aliados pressionaram pela aprovação.

Nas redes, o furor é palpável. No X, perfis como @filosofocolina dissecam a manobra: “Lula sabe que, sem nova regra aprovada por maioria simples, o teto de Temer volta com força total. É uma PEC da transição que revoga o antigo, mas depende de aprovação para não implodir”. Outros, como @jorgeseifjunior, detonam o “toma lá, dá cá”: “R$ 6,5 bilhões em emendas liberados às vésperas da votação da isenção de IR. É o dinheiro do contribuinte comprando apoio para 2026”. Karina Michelin (@karinamichelin) vai além: “Lula compra consciências com R$ 3,2 bilhões em emendas desde o julgamento do 8/1. A história não perdoa traidores”. Já apoiadores, como @lazarorosa25, celebram: “Pressão popular pela isenção até R$ 5 mil. IR zero já, taxação dos super-ricos!”. Hashtags como #ForaLula e #IRZeroJá duelam em tempo real, com mais de 50 mil interações desde ontem.

A oposição, liderada por PL e Novo, vê no PLP uma oportunidade de contra-ataque. “Isso é irresponsabilidade fiscal. O Senado não pode ser cúmplice de um rombo que o próximo governo herda como um foguete pelo rabo”, tuitou @braga_sadi, ecoando temores de um “efeito dominó” pós-2026. Governistas, por sua vez, apostam na narrativa social: Jaques Wagner (PT-BA), líder no Senado, defende que as exclusões são “temporárias e previsíveis”, essenciais para não cortar investimentos em meio à recuperação pós-pandemia e enchentes no RS. Haddad, em sabatina recente, prometeu “gatilhos mais duros” se o texto passar, mas analistas como Bráulio Borges (FGV) duvidam: “Sem aumento expressivo de receita, as punições virão tarde. O arcabouço já é brando; isso o enterra”.

As implicações vão além do orçamento. Economistas alertam para um efeito cascata: mais gastos fora da meta elevam a percepção de risco, mantendo Selic alta (atual 10,75%) e freando o crescimento projetado em 2,5% para 2026. O mercado, que aplaudiu o arcabouço inicial, agora boicota: o dólar ronda R$ 5,60, e o Ibovespa cai 1,5% na semana. Internacionalmente, agências como Moody’s observam: uma aprovação sem contrapartidas pode rebaixar o rating soberano, encarecendo empréstimos. No Congresso, a barganha é o nome do jogo – emendas de R$ 39 bilhões escaparam de contingenciamentos no pacote de cortes de dezembro passado, graças a vetos de Lula.

Para Lula, o timing é estratégico. Com aprovação de popularidade em 45% (Datafolha), o presidente mira 2026, onde uma base enfraquecida no Senado (após eleições) pode complicar. “É o último fôlego da maioria artificial”, sussurra um assessor palaciano. A oposição, com 30% dos assentos, ameaça obstruir se não houver recuos – como limitar as exclusões a R$ 10 bilhões anuais. Fachin, no STF, pode ser acionado se o texto virar lei, alegando violação à LRF.

Enquanto o plenário se enche de senadores, o Brasil espera. O arcabouço, nascido para curar feridas fiscais, vira sintoma de uma doença crônica: o clientelismo que transforma regras em exceções. Como disse Pérsio Arida, Nobel de Economia indireto: “Superávit primário é simples; regras frouxas são o caminho para o caos”. Se o PLP passar, não será o fim do mundo – mas o prenúncio de um 2026 com contas apertadas e eleitores irritados. O relógio tic-taca; Brasília, como sempre, joga com o tempo dos outros.

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