Cármen Lúcia e o Efeito Dominó das Aposentadorias Antecipadas

Por Antonio Neto

Os corredores do Supremo Tribunal Federal (STF), geralmente ecoando com o peso solene de decisões que moldam o destino da nação, andam mais sussurrados que o habitual nestes dias de outono brasiliense. Uma brisa de incerteza paira sobre o Palácio da Justiça, impulsionada não por ventos políticos visíveis, mas por confidências murmuradas em salas fechadas e conversas off the record com interlocutores de confiança. No centro dessa trama, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, uma das vozes mais firmes e independentes da Corte há quase duas décadas, estaria ponderando um passo que poderia reconfigurar o equilíbrio de poderes no Brasil: a aposentadoria antecipada.

A notícia, que vazou para a imprensa na última segunda-feira (13), como um gotejar lento de uma torneira mal fechada, pegou de surpresa até os mais atentos observadores da Esplanada dos Ministérios. Segundo o jornalista Cláudio Dantas, em reportagem exclusiva para seu portal, Cármen Lúcia teria confidenciado a amigos próximos que avalia deixar o cargo antes do prazo compulsório de 2029, quando completará 75 anos, limite imposto pela Constituição Federal de 1988. A motivação, sussurram as fontes, não seria apenas o cansaço acumulado de uma carreira marcada por julgamentos épicos e controvérsias acaloradas, mas um coquetel de desgaste emocional, pressões externas e um olhar ansioso para o horizonte pessoal. “Há pessoas que têm problema para lembrar; eu tenho problema para esquecer. Queria até esquecer algumas coisas de vez em quando, principalmente algumas pessoas, e não consigo”, desabafou a ministra em sessão recente do STF, com seu humor mineiro afiado, mas carregado de melancolia.

Para entender o impacto dessa possível decisão, é preciso recuar no tempo e traçar o percurso de uma mulher que, nascida em 1954 nas planícies secas de Montes Claros (MG), transformou-se em ícone do Judiciário brasileiro. Filha de um farmacêutico e uma dona de casa, Cármen Lúcia seguiu o caminho das letras e do direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde se formou em 1977. Sua ascensão foi meteórica: promotora de Justiça em Belo Horizonte, professora universitária, desembargadora do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e, por fim, indicada ao STF pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2006, aos 52 anos. Foi a primeira mulher a presidir o Supremo, de 2016 a 2018, e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), além de comandar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em períodos eleitorais tensos.

Seus votos no STF são capítulos de um livro de história viva. Em 2006, na ADPF 101, ela barrou a importação de pneus usados, protegendo o meio ambiente em uma era de globalização voraz. Em 2015, na ADI 4815, defendeu a liberdade de biografias sem censura prévia, ecoando o espírito da redemocratização. Mais recentemente, em julgamentos sobre violência contra a mulher (ADPF 1107) e, sobretudo, no desfecho do inquérito sobre os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, Cármen Lúcia deu o voto decisivo que condenou Jair Bolsonaro e aliados por tentativa de golpe de Estado. “A PGR fez prova cabal de que um grupo liderado por Jair Messias Bolsonaro, composto por figuras-chave do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência, desenvolveu e implementou plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas”, declarou ela, com a precisão de quem pesa cada palavra como uma sentença irrevogável.

Mas é exatamente esse protagonismo que parece ter pesado na balança emocional da ministra. A saída de Luís Roberto Barroso, anunciada em 9 de outubro e efetivada na última sexta-feira (18), serviu como catalisador. Barroso, que chorou ao se despedir após 12 anos na Corte, citou o desejo de “seguir outros rumos” e uma dedicação exaustiva ao cargo. Sua aposentadoria, aos 70 anos, abriu a primeira vaga para indicação de Lula no atual mandato – e reacendeu especulações sobre um “efeito dominó”. Cármen Lúcia, dizem fontes, teria sido tocada pela emoção da cena: o choro de Barroso ecoando como um espelho de seu próprio esgotamento.

Não é só o emocional. Há camadas mais densas, tecidas por ventos geopolíticos e domésticos. Relatos indicam que a ministra recorre a práticas como o Reiki para equilibrar o estresse, uma busca por serenidade em meio ao furacão. Mas o que realmente assombra é o espectro de sanções internacionais. A Lei Magnitsky, instrumento americano para punir violações de direitos humanos, paira como uma nuvem negra sobre autoridades brasileiras envolvidas em controvérsias como a condução dos inquéritos do 8 de janeiro. Cármen Lúcia, cuja revogação de visto para os EUA já foi noticiada em círculos diplomáticos, teme impactos financeiros e restrições de viagem – especialmente porque, ao contrário de Barroso, que planeja uma estada no exterior, ela pretende permanecer no Brasil. “Por não ter planos de se mudar para o exterior, a ministra estaria preocupada com eventuais impactos financeiros caso medidas similares fossem aplicadas a ela”, revela a reportagem de Dantas.

Nas redes sociais, o burburinho é imediato e polarizado. No X (antigo Twitter), posts como o de @jonatabritoofc, com milhares de visualizações, destacam o “desgaste emocional e pressões externas” como motivos centrais, enquanto perfis conservadores, como @gambito_rainha, gritam “blefe!” e acusam um complô para “aparelhar o Judiciário” sob Lula. Outros, como @FelipeCecilio_, clamam por mandatos fixos para ministros, vendo nas saídas precoces uma “manobra e falcatrua” para burlar o equilíbrio de forças. Há quem, como @GeovaneMoraes2, preveja um xeque-mate: com Cármen e possivelmente Gilmar Mendes saindo, Lula indicaria até quatro nomes, blindando o STF de um eventual governo de direita em 2026.

E não para por aí. Gilmar Mendes, o decano da Corte, também entra na roda das especulações. Aos 70 anos, com aposentadoria prevista para 2030, ele estaria considerando uma saída precoce, ampliando o pacote de vagas para Lula. Juntos, Barroso, Cármen e Gilmar representariam uma renovação de quase 30% do STF – um poder imenso nas mãos do Planalto. A oposição, já em polvorosa com a saída de Barroso, vê nisso uma pauta inescapável para as eleições de 2026. Colunistas como Letícia Casado, do UOL, alertam: “A oposição quer pautar vagas ao STF na eleição 2026”, temendo que mais indicações esquerdistas perpetuem “30 anos de problema para o Brasil”.

Do lado governista, o silêncio é estratégico. O Palácio do Planalto, por meio de assessores, evita comentários diretos, mas fontes palacianas admitem que uma vaga extra seria “uma oportunidade para reforçar a representatividade feminina”, bandeira que Cármen Lúcia carrega com afinco desde a aposentadoria de Rosa Weber, em 2023. A ministra, aliás, teria apoiado informalmente lobistas pela indicação de uma mulher na vaga de Barroso – possivelmente nomes como a procuradora-geral Lindôra Araújo ou a desembargadora federal Thereza de Assis Mourão. Lula, que já indicou quatro dos atuais 11 ministros (Cármen, Toffoli, Zanin e Dino), poderia consolidar uma maioria alinhada, alterando o tom de pautas como anistia aos envolvidos no 8 de janeiro ou reformas tributárias pendentes.

Mas há um porém: nada é oficial. O gabinete de Cármen Lúcia, conhecido por sua discrição mineira, não emitiu nota confirmando ou negando as intenções. “Até o fechamento desta matéria, não há confirmação oficial”, sublinham veículos como o Conexão Política. Fake news circulam como óleo em água: um vídeo viral alega que a saída seria por “pressão de Donald Trump”, desmentido por sites de checagem como Boatos.org, que apontam padrões de desinformação em canais bolsonaristas. Em meio ao ruído, o STF segue sua rotina: sessões sobre liberdade de expressão, direitos indígenas e o eterno embate entre Executivo e Legislativo.

Para o Brasil, as implicações transcendem o jurídico. O STF, guardião da Constituição, é também espelho da nação – e sua composição reflete as cicatrizes de polarizações. A possível saída de Cármen Lúcia, uma juíza que equilibrou tradição e progresso, evoca o melancólico histórico republicano que ela mesma evocou em julgamentos recentes: “Nossa República tem um melancólico histórico de termos poucos republicanos e, por isso, a importância de cuidar do presente processo.” Se ela optar pela aposentadoria, não será o fim de uma era, mas o prenúncio de outra – com Lula moldando o futuro da Corte, opositores tramando contra-ataques e o povo, mais uma vez, assistindo ao espetáculo de togas que dança ao ritmo da política.

Enquanto isso, em Montes Claros, a terra natal da ministra, vizinhos comentam com orgulho misturado a preocupação. “Ela sempre foi de ferro, mas ferro também cansa”, diz dona Maria, uma ex-aluna que a viu crescer nas fileiras da igreja local. No Supremo, o presidente Edson Fachin, que apelou a Barroso para ficar, talvez faça o mesmo com Cármen. Mas, no fim das contas, a decisão é dela – e do tempo, que, como ela bem sabe, não perdoa esquecimentos.

Atualizações sobre o tema podem surgir a qualquer momento. O STF, afinal, é mestre em reviravoltas.

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